quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Brasília, 18 de junho de 1988






O rock de Brasília revelou uma geração fantástica de bandas no início dos anos 80. Até hoje curtimos as músicas e reverenciamos o talento e a história delas. A trajetória de cada grupo é única. Plebe Rude, Paralamas do Sucesso e Aborto Elétrico (que originaria tanto a Legião Urbana, quanto o Capital Urbana) são as principais.



Mas a trajetória de Renato Russo e sua trupe se destaca. O cantor sempre expôs em suas letras as coisas que vivenciou em sua conturbada adolescência e o começo da vida adulta na capital do país. O sucesso começou lá, mas a banda saiu Brasil afora para divulgar seu trabalho memorável. E Brasília acabou ficando pra trás. Voltar à terra natal era um desejo dos integrantes, mas faltava o momento certo. E ele surgiu na hora e local errados.

Primeiro que shows no estádio Mané Garrincha não comportavam a estrutura que a Legião exigia; segundo porque a organização foi das piores; e por fim, o campo parecia um caldeirão efervescente, prestes a explodir.




18 de junho de 1988

No Correio Braziliense do dia posterior:
O frio de 12 graus e as festas juninas que se espalhavam pela cidade não impediram que 50 mil pessoas fossem ao velho Estádio Mané Garrincha na noite de 18 de junho de 1988. A maioria estava ali preparada para uma grande celebração. Aquela multidão — nunca antes reunida em ambiente fechado na capital —, vinda de todas as partes do Distrito Federal, aguardava a apresentação da banda que colocou Brasília, de vez, no mapa da música brasileira. Havia uma grande ansiedade pelo show Que país é este, da Legião Urbana, em plena era Sarney, governo desgastado por planos econômicos falidos.”

Durante o show que marcava a volta da banda à cidade, os portões do estádio Mané Garrincha foram abertos, na tentativa de conter os que não conseguiram comprar um dos 50 mil ingressos postos à venda. Com a tensão no ar, uma série de confusões se sucederam. Violência policial, discursos inflamados, bombas caseiras e a invasão do palco por um fã alucinado que se agarrou violentamente ao vocalista.”

E foi exatamente a subida ao palco de um fã descontrolado, o estopim.



Renato se debatia para se livrar do rapaz; os seguranças intervieram para retirá-lo do palco e, à força, o arrastaram. Quando Russo os viu espancando o jovem, não titubeou e disse: “larga ele!!”. Ele vociferava contra um dos que seguravam o fã. Nem por isso o acontecido fez com que Renato ganhasse o público. Uns vaiaram, outros aplaudiram...Até ouvirem a frase que foi definitiva para o caos começar: “ô cidade atrasada, é por isso que a gente não vem aqui...”
Renato Russo pegou pesado contra sua própria cidade, se voltando contra tudo e contra todos, indiscriminadamente, mesmo sendo a culpa pela situação caótica de poucas pessoas. A partir daquele instante, os integrantes da banda sabiam que a noite tinha acabado.

Os discursos que entremeavam as músicas (escolhidas a dedo para protestar contra a sociedade e o governo) inflamaram a multidão de tal forma que ao proferir aquelas palavras foi como apertar o gatilho.




Saldo final: o cenário de caos terminou com a suspensão da apresentação e mais confusão. Cerca de 50 pessoas foram presas, mais de 300 ficaram feridas e uma série de péssimas lembranças como resultado.

Para Renato ficou o gosto amargo de ver, no dia seguinte, pichado em frente sua casa a frase “Legião, não voltem mais”. Era a revolta de fãs da banda que deixaram o estádio no dia anterior, frustrados por assistir a um espetáculo com repertório reduzido e terem sido alvo da violência da polícia que tentava, à força, conter a reação daquela massa de descontentes, principalmente por uma série de acontecimentos infelizes, como a dificuldade de acesso às dependências do Mané Garrincha e o atraso de mais de duas horas para o início do show — reza a lenda que muito da agitação teria sido planejada por não fãs da Legião que foram ao estádio com o intuito de criar deliberadamente confusão.

Polêmicas à parte, o que ficou de tudo isso foi a lição de não se subestimar o público, entender também a responsabilidade de se segurar um microfone para iluminar e não incendiar as massas e de se propor uma organização profissional. Coisas que a Legião Urbana aprendeu às duras penas e conseguiu fazer nos anos vindouros.


A tragédia passou, o caos se dissipou e a noite de 18 de junho de 1988 entrou pra história do rock. A noite em que Brasília tremeu e Renato fez as pazes com seu passado. Ou não...



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